A diferença entre os seres humanos e o resto da natureza está no comprometimento do homem ser e vir a ser. No decorrer de nossa existência, somos voluntários de novas realizações e desbravadores de caminhos nunca explorados. A existência da mudança no que diz respeito a valores do indivíduo, tecnologia, modo de vida, entre outros aspectos, constante na era em que vivemos. Rollo May, coloca estes aspectos relacionados com a palavra coragem, onde o seu significado está ligado às múltiplas decisões que o homem toma diariamente com o compromisso de ser autêntico, excluindo o conformismo, renovando virtudes e valores. De termos sensibilidade suficiente para perceber o que está em sua volta, de ouvir com o corpo, valorizando a expressão do ser como arte e prazer. Vencer a alienação buscando novos conhecimentos, mesmo sabendo que esta procura provocará sempre ansiedade e expectativa. Buscar a verdade acima de tudo e ter a certeza de que ela é a fonte do saber e do conhecimento, descobrir novas formas, ter coragem de mudar, ser criativo.
Conforme o autor a base de toda a criatividade é o ser encontrar a realidade da experiência, compreender os símbolos que nos rodeiam indentificando-nos com eles, ter a capacidade de saber comunicar nossas experiências por meio deles, pois caso contrário estaríamos marcados pela inexistência da criatividade. A coragem criativa que May relata é a base para a consciência que devemos ter e direcionar novos esforços contribuindo para a estruturação de novas eras, mesmo que simples e modestas forem nossas realizações, mas sempre com satisfação e coragem para mudar. No ato da criação queremos ser imortais. Ao criar algo novo induzimos a uma forma nova, distinguindo o seu criador como um ser diferente aos demais. O homem realizando o seu eu no mundo, manifestado pela criatividade, mas um processo criativo consciente, estudado, a expressão da própria liberdade do ser na busca de dar a vida a algo completamente inédito, onde o ato criativo do indivíduo é o encontro interior com o seu eu no momento de criar. Um aspecto importante a relatar é a distinção entre o talento e a criatividade, em que o conceito de encontro torna claro esta diferença, pois o talento pode ser algo que foi dado à pessoa e a criatividade só existe no ato, requer engajamento, ou seja, ser criativo é entregar-se completamente ao desafio que está em suas mãos, com intensidade de percepção e um alto nível de consciência. A descrição dos sintomas que o autor faz do criador no momento do encontro chega à inibição do parassimpático, ou seja, todo o sistema nervoso que controla o bem estar de nosso organismo torna-se absorto no momento que estamos no processo criativo e o ponto culminante da criação é o regozijo, definido com a emoção que acompanha o mais alto grau de consciência podendo florescer nas mais variadas formas. Rollo May coloca que a criatividade continua com intensidade variável não controlada diretamente pela vontade e que o aumento de percepção não significa no aumento do conhecimento consciente, ou seja, o ato criativo estará ligado ao abandono e à absorção implicando no aumento perceptivo da personalidade. Não adianta ter só força de vontade, deve-se ter determinação, é esta força que ativa todos os níveis de nossas experiências, ativa também os aspectos mais profundos da percepção e intensifica o encontro, onde a intensidade do ato criativo deve relacionar-se de forma objetiva. Esta intensidade de consciência que faz parte do ato criativo utiliza-se do termo êxtase, uma qualidade de relacionamento onde uma das partes é emoção, para melhor caracterizá-la, ex-stasis, significa ficar fora de e surgiu do princípio dionisíaco; teatro grego baseado nas orgias de Dionísio. Absorvendo a totalidade do indivíduo, este termo representa a ação do subconsciente e inconsciente em sintonia com o consciente; é supraracional. Isto tudo leva a premissa de que só podemos ver com maior clareza e precisão quando a nossa razão está comprometida com a emoção. Sua característica está no estado em que a dicotomia entre a experiência subjetiva e a realidade objetiva é superado, e onde nascem os símbolos revelando novos significados.O inter-relacionamento do homem com o seu mundo é outro aspecto em que estudamos a criatividade do indivíduo de modo que um não possa existir sem o outro. Esta inter-relação é um processo que a todo o momento faz-se presente em todas as suas relações significativas, é inseparável da criatividade de cada indivíduo intensamente consciente com o seu mundo. Das profundezas do nosso íntimo nasce um potencial de conhecimento que o próprio indivíduo desconhece, fazendo aflorar idéias, soluções como surgidas do acaso, mas que na verdade são oriundas de dimensões inconscientes da experiência. A exploração deste potencial tem uma relação direta com a criatividade, o que acontece é que de alguma forma o inconsciente ultrapassa os princípios do consciente como se existisse uma polaridade oposta entre o fato inconsciente e o consciente. Com a união do inconsciente com o consciente, ocorre o momento da transparência iluminada, feito por fusão dinâmica e rápida, culminando em êxtase, intensificando os sentidos e ampliando a capacidade de pensar e o processo sensorial, fortalecendo nossa memória. O compromisso é outro fator importante para o desencadeamento do processo criativo, pois esta percepção origina-se das áreas do inconsciente onde a nossa preocupação é mais intensa. E, no final, no momento exato de transição entre o trabalho e a pausa, origina-se a intuição. Ao relaxarmos, a percepção súbita surge nesta mudança, onde o inconsciente transpõe o trabalho intenso libertando-se dos controles internos para que as idéias originais possam nascer. Conforme o relato do matemático Jules Henri Poincaré, o mais provável é que, no momento da iluminação, o descanso ativa o trabalho inconsciente, estimulando o consciente e restituindo a força e clareza à mente. Desta forma, segundo Poincaré, as características desta experiência são:
1) a rapidez da iluminação
2) a inspiração é contrária aos pontos básicos que o consciente está preso
3) a luminosidade da inspiração
4) a experiência da certeza imediata (quando a inspiração criadora vence as barreiras e se torna consciente
5) período de trabalho árduo (ocorre antes da inspiração)
6) período de descanso (ocorre o trabalho inconsciente)
7) alterar o trabalho com o descanso (geralmente aqui ocorre a inspiração)
Muitas vezes o ato criativo, pelo fato de ser um fenômeno do inconsciente, original e irracional, possui um traço místico em sua formação, como se algo sagrado e imutável surgisse como se por encanto e na simplicidade de nos deparar com uma nova realidade criados pela relação do inconsciente temos a convicção desta nova verdade. Entretanto no mundo em que vivemos a tecnologia e a máquina, devido a suas características ordenadas e lógicas, representam uma ameaça ao ato criativo. A criatividade está ligada à liberdade de criar, no sentido mais puro e livre. A perda desta originalidade, por ser um fenômeno irracional, ameaça nossa existência, pois de alguma forma estará impedindo a criatividade do espírito, o sentido da vida, o rompimento com o prazer. A criatividade do espírito, estruturada nos impulsos irracionais do inconsciente, são uma ameaça aos padrões racionais e ordenados da sociedade. Alexander Blok (1921) chama de vontade criativa a possibilidade do artista liberar todos os seus elementos interiores, uma liberdade secreta, expressão das formas do pré-consciente e do inconsciente. Cézanne defende, como a melhor definição de criatividade, decorrente do ato de encontro que o homem, por meio de sua percepção, seus sentidos, sua estrutura nervosa, experimenta como veículo de inspiração. Onde a receptividade de quem está desenvolvendo o ato criativo não se confunda com passividade, é uma espera iluminada que exige um alto grau de atenção; é estar em sintonia e ao mesmo tempo alerta.
Os símbolos e os mitos representam o relacionamento entre a experiência consciente e a inconsciente, por serem formas que nascem da consciência do encontro, auxiliando-nos a obter um grau de consciência mais elevado. A criatividade como regressão a serviço do ego é o desligar-se do cotidiano em busca de um conteúdo psíquico inconsciente, onde passividade e receptividade liberam a pessoa das inibições e esforços desnecessários, liberando o impulso criativo, mas este processo não pressupõe criatividade como um produto de repouso, pois o modo como a inspiração se apresenta é geralmente em momentos de descanso e após trabalho intenso.....
Prof. Dr. José Fernando Fagundes de Azevedo